Acabei de ver Selma e tô puta.
Tô puta que isso aconteceu há tão pouco tempo.
Tô puta que isso ainda acontece de forma subliminar nas ruas e de forma escancarada nas periferias.
Tô puta por viver numa sociedade que consegue reclamar de cotas e chamar de vitimista um povo que foi escravo, depois foi segregado, depois foi jogado à pobreza e hoje é jogado nas cadeias por portar Pinho Sol.
Tô puta porque as pessoas se acham no direito de medir o quão bravo esse povo tem o direito de estar, com quanto eles precisam se contentar, com que tipo de representatividade eles devem se dar por satisfeitos.
Tô puta que isso ainda acontece de forma subliminar nas ruas e de forma escancarada nas periferias.
Tô puta por viver numa sociedade que consegue reclamar de cotas e chamar de vitimista um povo que foi escravo, depois foi segregado, depois foi jogado à pobreza e hoje é jogado nas cadeias por portar Pinho Sol.
Tô puta porque as pessoas se acham no direito de medir o quão bravo esse povo tem o direito de estar, com quanto eles precisam se contentar, com que tipo de representatividade eles devem se dar por satisfeitos.
Tô puta de viver num ambiente de gente supostamente instruída, mas que não consegue enxergar a falsa simetria que é comparar o racismo sofrido diariamente pelos negros com a reação (as vezes cheia de raiva, e wtf, quem pode culpá-los por ter raiva?) dos mesmos. Não existe racismo inverso.
Tô puta por ver gente que se acha super politizada dizendo, quando a pauta é sobre minorias, que "ok, ok, mas pra que ficar dando atenção pra essas coisas, falem sobre os problemas de verdade, da economia, da corrupção". Economia é a principal preocupação de quem nunca viu comida faltar no prato, e de quem não teve o filho assassinado na sua frente por policiais - porque acharam que ele era assaltante. A alta do dólar é a principal preocupação de quem despreza aqueles cuja principal preocupação é JUSTIÇA - racial e social.
Tô puta de conviver com brancos que acham que sabem tudo sobre racismo pq "tem um amigo negro" ou pq leu na Folha que teve um negro pobre que estudou muito e conseguiu virar juiz, mas nunca se deu o trabalho de entrar em UM blog do movimento negro, dar follow em UM ativista da causa, ou fazer um comparativo de quantos negros pobres continuaram vivendo em situação de pobreza para aquele UM que virou juiz - ou nunca buscaram saber o quão mais difícil para este UM foi se tornar juiz do que foi para qualquer outro. Não existe meritocracia numa sociedade desigual.
Tô puta por saber que o racismo continua correndo solto, agora encoberto pelo mito da miscigenação, e está tão naturalizado que quando alguém joga ele na nossa cara, a nossa reação não é refletir se de fato estamos sendo racistas, é se defender por que "eu não sou racista, maaaas..."
Tô puta de pertencer à classe que curte Danilo Imbecili e acha que "ai que saco esse povo do politicamente correto, não se pode mais fazer piada com nada". É, legal era antigamente que se podia ser preconceituoso a vontade pq as minorias não tinham voz pra se defender.
Tô puta de ter aprendido na escola que a Princesa Isabel era uma fofinha que resolveu, pela pureza de seu coração, libertar os negros da escravidão; ao invés de ter aprendido que ela só fez isso depois de MUITA pressão e muita luta dos negros. ELES conseguiram isso, não foi uma branca que resolveu dar.
Tô puta que por causa desse aprendizado, pessoas em posição de privilégio acham que "racismo está nos olhos de quem vê", que esses ativistas chatos não percebem que tudo se resolve naturalmente sem precisar de protesto e luta, e que é só parar de falar de racismo que ele some.
Tô puta que por causa desse aprendizado, pessoas em posição de privilégio acham que "racismo está nos olhos de quem vê", que esses ativistas chatos não percebem que tudo se resolve naturalmente sem precisar de protesto e luta, e que é só parar de falar de racismo que ele some.
Tô puta pq Selma se passa em 1965 nos EUA, mas um negro na fila do banco, no Brasil e em 2014, já me contou, triste e conformado, das tantas mil vezes que foi abordado pela polícia perguntando se aquele carro era mesmo dele, e se a esposa branca dele "estava bem".
Tô puta por todas as vezes que eu fui racista e não percebi, tô puta pelas vezes que ainda serei pq nossa cultura umbiguista não nos ensina empatia, e nossa mídia tenta nos convencer que racismo não existe.
Tô puta por ser considerada "a chata" por defender essas causas, e por acharem engraçadinho fazer piada preconceituosa na minha frente "só por que é fácil te deixar brava".
Tô puta por saber que nunca vou conseguir abrir os olhos de tanta gente próxima, querida e bem intencionada, mas que foi condicionada culturalmente a só olhar para o próprio umbigo ou a tirar todo seu arsenal de informação da Rede Globo.
Assisti Selma, e tô puta.