"A menor minoria é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias."
Me parece que essa frase tem o mesmo problema que o conceito da meritocracia: ambos carregam conceitos lindos, um discurso e teoria aparentemente irrefutável - mas caem na falácia do mundo justo.
Vamos primeiro tentar entender o que essa frase tenta passar...
Imaginemos um mundo onde não existam racismo, machismo, homofobia, transfobia, preconceito de classe, capacitismo, transfobia, xenofobia, etc.
Neste mundo não existe um sistema pré-estabelecido que beneficia alguns grupos em detrimento de outros: todos saem exatamente do mesmo ponto de partida, e tem exatamente as mesmas chances de enfrentar dificuldades no caminho.
Seria inocência presumir que numa sociedade ausente de opressões e privilégios, ninguém teria problemas. Sem dúvida, cada indivíduo passaria por uma série de obstáculos, preconceitos, problemas e limitações.
Porém, nessa sociedade hipotética que não tem conceitos pré-estabelecidos de que atributos são melhores ou piores, esses problemas seriam pontuais na vida desse indivíduo: na escola esse indivíduo seria excluído pois os amiguinhos gostam de futebol e ele gosta de basquete. Posteriormente, sofreria pois a menina de quem gosta o acha muito magrelo. Na faculdade, sentiria limitações por ser tímido, e se sentiria explorado por ser "nerd". No emprego, sentiria um preconceito vindo de seus pares pois é muito focado e se destaca nas entregas.
No entanto, é muito provável que estes problemas não sejam crônicos em sua vida: em algumas esferas sua timidez e foco são negativas, em outras esferas são características elogiadas; algumas meninas não se sentem atraídas pela magreza, mas outras tantas se sentem.
E assim seria com todos os indivíduos formadores dessa sociedade.
Dentro deste contexto, todas as lutas são individuais, e portanto não haveria sentido em - como sociedade - direcionar atenção para um problema ou outro.
É isto que essa frase nos traz: se todos temos problemas, não é justo concentrar esforços e políticas na resolução de um problema específico.
E no contexto acima, essa lógica é perfeitamente cabível.
Mas vamos voltar à realidade: uma sociedade onde existem opressões sistêmicas que foram enraizadas na sociedade há tanto tempo, e são reproduzidas na nossa educação e pela nossa mídia de forma tão sutil, que o resultado foi uma sociedade desigual.
Uma sociedade que privilegia alguns grupos em detrimento de outros.
E -como já falei aqui em posts anteriores - o fato de você pertencer à algum grupo privilegiado não quer dizer que você não faz parte de outro oprimido. E também não quer dizer que você não terá sua cota de problemas.
Mas estes problemas serão individuais e pontuais - como a vida do indivíduo hipotético que descrevemos acima.
Nessa sociedade desigual em que vivemos, existem algumas características que fazem com que as pessoas portadoras delas sofram limitações e tenham problemas na maioria - senão em todas as esferas de sua vida.
Quando falamos da luta das minorias, não queremos dizer que os problemas dos outros são menos doloridos individualmente que os nossos.
Não queremos lutar por privilégios para determinados grupos, não estamos negando a igualdade.
Estamos dando nome à um sistema desigual, para que possamos combatê-lo.
E quando alguém sugere que "a menor minoria é o indivíduo", ela está ignorando que existem problemas que afetam grupos inteiros, o tempo todo. Ela está dizendo que se absolutamente TODOS não sofrem de algum problema, esse problema não deve ser combatido pela sociedade.
Quando alguém sugere que lutemos pela "igualdade para todos" de forma genérica, sem endereçar minorias, esta pessoa está fechando os olhos para a desproporção dessa "igualdade".
Quando alguém nega a luta destas minorias, está basicamente dizendo "eu não sofro -ou não reconheço sofrer- deste mal, portanto ele não existe".
Como é parte da sabedoria popular, só podemos resolver um problema quando nos damos conta dele.
Então vamos nos dar conta que existem problemas maiores do que as nossas necessidades individuais e lutar juntos para extinguí-las!
Imagina que lindo será quando a sociedade hipotética acima for real, e a frase de Ayn Rand for realmente aplicável? =)