sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Gaslighting e Mansplaining e por quê a gente fica brava

Você está numa mesa de bar com amigos, conversando sobre relacionamentos em geral. Você coloca uma opinião sobre o assunto, que é baseada em fatos que já ocorreram com você. Aí um amigo homem que nunca passou por algo parecido te diz "Não, mas você não entendeu. Deixa eu te explicar como funciona."

Você está numa reunião da firma, falando sobre um projeto que você lidera. Um homem que está ouvindo sobre o projeto pela primeira vez te interrompe para dizer "Eu entendi sua conclusão, mas não é isso. Se você analisar deste ou daquele jeito, você vai chegar na conclusão certa."

Você está discursando sobre um assunto que você domina, sobre o qual você estudou muito, além de ter vivências pessoais sobre. Sempre - e TODA VEZ-  que você finaliza um ponto, um homem que leu meia dúzia de artigos sobre o assunto e nunca viveu aquilo, manda uma frase do tipo "entendo, mas não concordo" ou "mas EU não sou assim, e isso invalida o argumento" ou "concordo, mas acho que você está explicando errado".

Você faz um post no Facebook sobre política, aliando o conteúdo de um link à sua percepção, num texto bem formulado. Um homem que não é profissional do assunto, e portanto, até prove o contrário, tem o mesmo nível de conhecimento que você comenta "você está sendo ingênua. leia este e este artigo que você vai entender melhor".

Você participa do movimento feminista, há anos. Você já participou de comícios, grupos de discussão, palestras e turmas de leitura. Você já falou sobre o assunto com muitas pessoas, já ouviu as mais diversas opiniões sobre o assunto. Pela sua vivência, você sabe que as vezes tentar educar não é suficiente, as vezes é necessário mostrar que a pessoa faz parte do grupo opressor, mesmo que sem querer. Aí vem um homem, que não conhece a luta, e diz que você "está muito feminista" ou que as vezes "você é incisiva demais, tem que falar com mais doçura".

Você chama um amigo para trocar uma ideia sobre um assunto que não é a especialidade dele. Ele responde que "claro, vamos lá, não domino muito o assunto, mas posso te ajudar a entender".

Já aconteceu com você?

Você já sentiu que um homem estava agindo como se soubesse muito mais que você, sobre assuntos nos quais definitivamente, não é o caso?
Que um homem estava te tratando como uma criança ingênua?
Que um homem parecia achar que a opinião leiga dele valia mais que a sua (mesmo você conhecendo muito o assunto).
Você já sentiu que tentava ensinar um homem sobre um assunto que você domina e ele teoricamente tem interesse, mas percebeu que ele insistia em não absorver nada do que você falava, e só respondia o pontos que lhe interessava?

Chegou o dia então, de nomear esse sentimento que acompanha todas as mulheres.

MANSPLAINING.


Querer ensinar a uma mulher algo que ela já sabe e demonstra claramente saber, porque uma mulher necessariamente não teria capacidade intelectual para compreender um determinado assunto; e como homem, é impossível que você não saiba melhor.

Ou quando o homem quer ensinar à mulher quando ela tem o direito de se sentir oprimida e quando não tem. Geralmente, acontece quando uma mulher aponta o machismo do homem e ele adota uma postura auto-defensiva, embora aparentemente cortês, querendo explicar por que aquilo que ele fez não foi machismo, que machista é aquele outro cara, não ele.

OK.

Vamos dizer então que isso te aconteceu, e você se irritou.
Ou mesmo que seu namorado atrasou 2 horas num compromisso que vocês combinaram.
Ou que seu irmão levou para um churrasco todas as cervejas que você comprou para o jantar com os amigos de amanhã.
Ou que seu pai pegou seu celular sem sua autorização e respondeu uma mensagem do seu peguete.

Quando você reagiu....
Ele te disse que você estava exagerando?
Que as suas reações eram muito bravas?
Que você estava inventando, que aquilo nunca tinha acontecido?
Disse que você estava louca?
Deu risada e disse que você só podia estar "naqueles dias"?
"Calma. Relaxa. Você se irrita muito fácil. Esquece, tá tudo bem."

Ele invalidou sua revolta/braveza/irritação.
Ele te silenciou.
Ele fez você duvidar da sua própria razão.
"Será que eu sou paranóica?"
"Será que isso é coisa da minha cabeça?"

Então de novo, vamos nomear essa atitude que, de fato, nos enlouquece:
GASLIGHTING.
Aqui já tem um texto beeeem explicativo e didático sobre esse assunto:
Mulheres, não se deixem silenciar!
Eu sei que os double-standards (vou falar sobre isso no futuro, prometo!) estão aí, e enquanto um homem que reitera sua opinião com firmeza é um homem forte e incisivo, talvez quando você fizer o mesmo vão te dizer que você está sendo agressiva.
Mas não é verdade. Sua voz tem tanto valor quanto a de qualquer homem, e nunca deixe ninguém te dizer que você deveria ter feito de outro jeito, ou que você é louca. Você não é. 
Você é importante, sua opinião tem relevância, e seus sentimentos e reações não estão errados.

Homens, parem, por favor.
Eu sei que vocês não fazem de propósito. Eu sei. Mas se vocês não querem fazer isso com as mulheres do seu convívio, vigiem-se. Desconstruam-se.


"TODA FEMINISTA É BRAVA."


Ok, você entendeu tudo isso, mas ainda não entende por que raios as feministas as vezes são TÃO bravas.

Vamos lá...
Nós temos presença nas militâncias, vivência como mulher, e vemos muito pessoas tentarem ensinar como militar, sendo que elas mesmas nunca defenderam com afinco uma causa.
Elas não tem experiência na militância pra saber se precisa ou não as vezes ser um pouco mais incisivo.
E quer saber: se elas quiserem militar nesse estilo paz e amor, são muito bem vindas, mas geralmente as pessoas que questionam a nossa militância, são pessoas que não falam NADA quando o amiguinho posta algo com conteúdo racista/machista/preconceituoso.
Ou seja, a pessoa concorda com a pauta em linhas gerais (exemplo: concorda que machismo é ruim), se dá o trabalho de vir questionar como EU abordo a questão e luto contra, mas não se dá o trabalho de questionar quem de fato está disseminando machismo.
Além de parecer prepotente (a pessoa querer ensinar a pessoa algo que ela conhece melhor), é um pouco incoerente, não?

Então este é um primeiro ponto, sobre as pessoas que vem nos "ensinar a militar": você concorda com a causa, em linhas gerais? Então que tal ir se informar sobre ela? Que tal começar a questionar suas próprias atitudes e desconstruir o machismo que mora dentro de você? Que tal usar seu espaço na sociedade, entre outros homens, para tentar desconstruir o machismo? Educar seus amigos, quando eles estiverem propagando machismo e tendo atitudes cretinas?
Todas essas atitudes deveriam vir antes de aparecer no nosso espaço para dizer que estamos fazendo aquilo errado.


Não quer dizer que estamos sempre certas. Mas quer dizer que algumas feministas mais agressivas e mais misândricas* talvez sejam assim porque vivenciaram abusos e violências sobre as quais você não sabe. Sem contar as mil vertentes do feminismo**.
Quer dizer que queremos ouvir dicas e opiniões sobre o movimento, mas principalmente de mulheres, e de pessoas que já estão dentro do movimento e sabem como ele funciona.

Quer dizer que nós só seremos feministas bravas, irritadas e agressivas se VOCÊ:
-nos tratar com superioridade e condescendência,
-tiver atitudes machistas e, quando te corrigirmos, você não se retratar ou pelo menos colocar a mão na consciência,
-ficar dando pitaco na nossa luta,
-for um completo babaca, arrogante ou misógino.


O segundo ponto é sobre a importância da militância INCOMODAR, ser meio brava mesmo. Pra falar dessa vou usar minha experiência pessoal:

Eu milito pelas causas que acredito, e elas não são poucas, o que faz de mim uma pessoa tão, mas TÃO CHATA, que esse é o nome do blog.
Eu milito pelo feminismo, pelos movimentos LGBT e negro (claro, como apoiadora e coadjuvante, jamais achando que sei mais que os negros e os homossexuais, porque né? coerência é importante.), em geral, pela igualdade de direitos e tratamento perante a sociedade.
Eu milito para o fim do discurso de ódio, milito pela proteção das minorias, milito em defesa dos pobres, milito pela importância de tentar não se informar de forma unilateral.
Geralmente, as coisas que eu defendo são coisas que as pessoas privilegiadas não querem ver, porque elas estão muito confortáveis em seus lugares.
Elas acham que homofobia é problema do cara que espanca gay na Paulista, que machismo é problema do cara que obriga a mulher a sair do trabalho ou do estuprador louco dos becos escuros, que racista é a menina do Grêmio, que ignorância é um problema dos pobres/nordestinos/petistas.

O comportamento em comum aqui é que eles NUNCA olham pra dentro.
Eles entendem que o problema existe, mas o problema é sempre o outro, eles estão com a consciência limpa.

E esse - ao meu ver, na minha experiência de militante -  é o problema do discurso de "eu já sou feminista (ou anti racismo, anti homofobia, etc), não precisa me corrigir".


Porque se você só defende que negros tem que ter representatividade na mídia, só defende que homossexuais devem ter direitos iguais, só defende que a mulher deve ser tratada com o mesmo respeito que homens, você não está fazendo essa pessoa olhar pra dentro.

Defender essas pautas faz sim parte da militância (e parte importante), mas as pessoas privilegiadas (que são das que mais tem que mudar seu comportamento) vão simplesmente curtir seu post e concordar, e comentar coisas como: "afe, realmente, que absurdo esses homens que acham que mulher merece ser estuprada"/ "é um absurdo essa torcedora racista" / "que triste que existam pessoas que espanquem gays".

Mas eles não vão olhar pra dentro pra ver que eles são coniventes dessa violência, que eles que criaram o ambiente e a sociedade na qual aquela violência é possível.

Eles não vão rever os próprios conceitos e parar de tentar agarrar uma gostosa na balada (porque ela tava de minissaia e devia estar querendo)/ começar a dividir as tarefas de casa/ parar de dizer que quando negro reclama de racismo ele tá sendo vitimista ou de reclamar de ai que saco essa patrulha do politicamente correto / parar de dizer que gay pode ser gay mas não pode beijar/andar de mão dada/ser afeminado porque aí já tá desrespeitando os outros.

Se um negro diz que você está sendo racista, você provavelmente está.
E no caso de não estar, aceite mesmo assim. Depois de séculos de escravidão, acho que o mínimo que você pode fazer é baixar a cabeça nessa hora.
Se um homossexual diz que você está sendo homofóbico, você provavelmente está.
Não fique com orgulho ferido e argumente até ele se cansar. Olha para dentro e aceite.
Se uma feminista diz que você está sendo machista, você provavelmente está.
Não discorde. Pergunte porque e tente entender como aquilo a ofendeu.


Parece difícil, eu sei.
Mas é a lição de empatia mais maravilhosa... <3


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*Misandria: ódio aos homens. É o oposto de misoginia, que é a base do machismo.
**Um dia eu faço um post só sobre as muitas vertentes, mas um recado importante:
Todo e qualquer movimento que atinge um tamanho considerável adquire vertentes.
Temos vertentes super fundamentalistas de quase qualquer religião e temos vertentes acolhedoras; e nem por isso as pessoas deixam de se identificar com elas.
Pois bem, o feminismo tem muitas vertentes com as quais eu não concordo (exemplo: algumas vertentes defendem principalmente a questão de gênero, e ignoram a questão racial; por vezes exclui as pessoas trans e tem aversão a homens).
Porém, o que rege o feminismo é: oi, sou mulher, quero receber respeito simplesmente por existir e independente do tamanho da minha saia; oi, não quero que minha aparência ou minha vida sexual sejam consideradas os principais elementos de quem eu sou; oi, sou mulher, quero ganhar o mesmo salário estando na mesma função; oi, não quero ouvir sua opinião na rua sobre as minhas coxas; oi, quero ver outras mulheres como companheiras e não como rivais; oi, não quero que a minha existência seja pautada pela maternidade ou por ter ou não um homem na minha vida, oi, não quero ser silenciada em todas as discussões.

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