sexta-feira, 31 de julho de 2015

A história de vida de A.

Ao ficar presa no trânsito com uma pessoa com quem trabalho, ela resolveu me contar sua história.
E ao mesmo tempo que não quero expô-la sem autorização, eu simplesmente precisava por pra fora: uma história tão real e tão trágica.... 

Então vamos lá: estes são os fragmentos da história de A. uma mulher pobre e negra.

****

Ela veio de uma família muito pobre de uma pequena cidade de Minas Gerais. MUITO pobre. Eles não tinham o que comer, literalmente.
Ela não mostrou constragimento ao me contar que se casou em busca de uma vida melhor - nada a ver com amor ou romance - ela só queria estar com alguém que a desse o que comer.
Aos 19, se casou com um homem de 51, e teve uma filha.
Este homem era muito agressivo, e batia nela com frequência. Até que um dia, tentou lhe matar.
Nesta hora ela me mostrou cicatrizes nos braços e nas mãos, onde ela levou 6 facadas, ao proteger seu rosto e colo.
Ela conseguiu pegar sua filha e fugir.

Com a ajuda de sua mãe, se mudou para São Paulo com uma filha bebê.
Sem ter como se manter, encontrou outro homem que prometeu cuidar dela, e com ele teve mais um filho.
Porém, este se mostrou tão agressivo quando o anterior, e quando ela disse que queria se separar, ele disse que o filho ficaria com ele.
Ela disse que brigaria pela guarda da criança na justiça - ao que ele deu a seguinte resposta: "você pode até conseguir a guarda na justiça, mas não vai conseguir a criança. Porque com seu primeiro marido, a polícia chegou a tempo de te levar para o hospital, comigo eles só vão encontrar seu corpo."
E com esta ameaça ela foi obrigada a desistir da guarda do filho.

Lá estava ela, mais uma vez vivendo em porões de fábrica com sua filha, trabalhando por qualquer trocado para se manter viva, e para manter sua filha - que a essa altura, já tinha 9 anos.
Pela terceira vez, ela se casou com um homem em troca da garantia de ter um prato de comida para ela e sua filha.
Este terceiro marido era branco e judeu - e a relação dos dois era praticamente de escravidão.
Ele a humilhava com frequência, a chamava de macaca, dizia que sua família tinha nojo dela porque ela era negra.
A. era obrigada a "servir" seu marido de todas as formas, até as mais degradantes: quando ele ia ao banheiro cagar (!), ao terminar a chamava "A. tem serviço aqui para você!"
E ela ia até ele - que estava agachado no bidê - e limpava sua bunda.
Ele fazia questão que ela limpasse com as próprias mãos, não queria que ela usasse papel, toalha ou pano.

Ao viajar com a família dele - que falava outra língua-, todos a insultavam com frequência, e todos estavam sempre rindo dela. Quando ela ria junto, mesmo sem entender o que estava sendo dito, seu marido a reprimia e dizia "você está rindo porque?", e em seguida lhe contava as atrocidades que falavam dela.
"Não precisamos ir ao zoólogico, já estamos andando todo o tempo com uma macaca"
"Como você consegue ficar com essa macaca imunda?"

A agressão física de seus dois primeiros maridos havia sido substituída pela agressão psicológica, pela humilhação.
Quando perguntei porque ela tolerava aquilo, ela dizia: sem ele eu não consigo me manter. É melhor aguentar.
E ficaram juntos por 22 anos, até que ela, já mais experiente em seu ofício, e após seu marido jogar o filho de A. para fora de casa o chamando de macaco, ela disse que não aguentaria mais aquela humilhação em troca de um prato de comida. Que ele podia ir embora.

Ele foi. Voltou 3 meses depois, doente, disse que a amava e pediu que ela lhe cuidasse no fim da vida. Ela o aceitou, e cuidou dele até ele morrer, alguns meses depois.
Perguntei se ela ficou triste quando ele morreu: "ah, até com o sofrimento a gente acostuma né, e quando ele morreu eu chorei muito".
Apesar dos 22 anos de relação estável, ela conseguiu ficar apenas com o apartamente em que morava, já que a família dele a odiava por ser "preta" e tratou de travar o processo. Ela até hoje nunca viu um centavo.

Mas ela conta que foi após a morte dele que ela finalmente conheceu a felicidade. Com 50 anos, finalmente era uma mulher livre, que conseguia se manter sozinha. Disse que foi muito feliz, saiu muito com as amigas, fazia bate-e-voltas para a praia, visitava os netos em Guarulhos.

Hoje ela se converteu para uma igreja evangélica, e diz que está mais caseira: prefere ficar em casa, trabalhando e cuidando de seus gatinhos. E diz que hoje, graças à Deus, é feliz.

****

Quando a deixei em casa, estava extremamente abalada de ouvir essa história de uma mulher tão doce.
Tive vontade de chorar, por ela e por todas as mulheres, todos os pobres, todos os negros.
Chorar pelo mundo em que vivemos, em que as pessoas podem ser tão cruéis, em que a pobreza é tanto que uma pessoa troca sua dignidade por um prato de comida.

Depois tive raiva: tive raiva de todas as pessoas que insistem que as "oportunidade são iguais para todos".
Meu Deus, só é óbvio pra mim o quão diferente seria essa história se ela fosse homem? Se ela tivesse condições de se sustentar? Se ela não fosse negra?

Pra mim essa mulher merecia todas as cotas e "benefícios" do mundo: bolsa família, cota habitacional, cota pra poder estudar, uma polícia que a proteja da violência específica que ela sofreu, um sistema judiciário que a proteja das humilhações e do racismo que ela passou.... TODOS os auxílios que eu consigo pensar (que as pessoas tem coragem de ser contra), mesmo com todos eles, essa mulher não estaria em pé de igualdade com uma mulher como eu, que dirá com um homem.
Mesmo assim a meritocracia não viria: ela estaria para sempre em desvantagem, por ter nascido no contexto em que nasceu, com um sexo subjugado e inferiorizado, que merece ser espancado e agredido, com uma cor que a fez ouvir humilhações sua vida inteira.

Quantos privilégios a gente não usufrui em comparação à uma pessoa dessas?

Eu não quero saber quantos brancos vão perder suas vagas para negros por cotas, eu não quero saber quantos beneficiários do bolsa família estão dando golpe, não quero saber dos infames casos em que lei Maria da Penha é usada em falsidade, eu não quero saber quantos funcionários "despreparados e mal-agradecidos" você já teve e o quanto você acha que é por isso que pobre é pobre: se a vida de A. pudesse ter sido um pouquinho menos sofrida, o mundo já estaria um pouco mais justo.



Uma análise dos relacionamentos, levando em conta as diferentes socializações entre sexos

Vou até fazer uma introdução pq esse texto é muito incrível e foda, mas quem não conhecer os conceitos de socialização e não acreditar que vivemos numa sociedade machista, ou não vai entender nada ou vai dar piti antes mesmo de refletir.
Esse texto pretende analisar os relacionamentos levando em conta as diferenças entre homem e mulher - algo que muitos textos por aí já fizeram.
Mas este o faz de uma forma diferente, pois entende que a maioria, senão todas as diferenças entre a forma que homem e mulher se relacionam é fruto da socialização diferente que receberam ao terem seus sexos designados no nascimento - ou seja, fomos criados, educados e moldados pela sociedade de forma a agir de certas formas, "de acordo" com nosso sexo.
Se entendemos que muitos comportamentos nossos foram moldados pelo forma que fomos socializados, entendemos 1o) que a maioria não está fazendo essas coisas de propósito, e 2o) que existem exceções - com a mesma socialização, cada indivíduo absorverá cada parte de uma forma e em propoções particulares.

E por fim: para entender o texto, é preciso ter claro para si que vivemos em uma sociedade machista e patriarcal. Uma sociedade que historicamente colocou a mulher num papel inferior ao do homem - e também é preciso entender que ainda que as últimas décadas tenham trazido muita melhora nesse sentido, a mudança mais lenta de todas é a de mind-set.
Então se vc acha que a sociedade não privilegia nenhum gênero, nem se dê o trabalho de ler.

"A assimetria que eu enxergo nos relacionamentos heterossexuais é perversa: os homens são socializados pra independência, pra manipulação e para buscar seu próprio prazer; e as mulheres, pra dependência, pra carência e pro perdão, assim os dois lados se completam em prol da manutenção do domínio masculino.
Essa assimetria é cruel porque faz com que as mulheres se deem muito fácil, faz com que perdoem sempre tudo e que sempre carreguem sozinhas o fardo da manutenção do relacionamento.
Ao mesmo tempo faz com que os homens ocupem a posição de conformidade, de “errei de novo, mas me desculpa, sou homem, estou tentando”, o homem SE SENTIRÁ SUFICIENTE, sentirá que já está fazendo muito por apenas tentar e nos manipulará todo o tempo para acreditar que nós é que somos muito difíceis e exigentes.
(...)

Eis aí parte da desgraça da feminilidade. A nossa desgraça É BONITA, a gente aprende a confiar e a perdoar muito facilmente e isso é bonito, tudo isso é, na verdade, super bonito. Tudo isso que a gente sente, toda essa nossa capacidade de amar, de se dar é de uma confiança absurda.
Nós compartilhamos com os homens a beleza da nossa desgraça e acreditamos que eles podem entendê-la, acolhê-la, que podem nos amar. Acreditamos, sempre, e de novo, e outra vez, que tudo pode ser diferente, e há uma beleza nessa inocência, uma beleza cruel.
(...)
No fim os homens sempre vão agir se priorizando - foi o que eles aprenderam a fazer; e a gente sempre vai agir se secundarizando - é o que a gente aprendeu a fazer.
(...)
Dentro de um relacionamento, (eu, mulher) devo ser mais egoísta, devo reverter grande parte do meu cuidado com o outro em auto cuidado. Devo ser “complicada” “difícil” e “exigente”, porque tudo isso é por mim.
Um homem que queira nos amar deverá entender tudo isso, deverá entender que a assimetria socialmente imposta pede como resposta que tentemos construir, em esfera micropolítica, um relacionamento contrariamente assimétrico."


texto completo e original em: https://negrasolidao.wordpress.com/2015/07/02/os-homens-que-nao-amavam-as-mulheres/

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Estupro e assédio: chega de passar pano!!!

Essa semana está circulando a capa da New York Magazine, que mostra 35 mulheres (das 46) que acusam Bill Cosby de estupro e assédio.
O caso só está recebendo atenção agora pois foi liberado um depoimento dado pelo próprio Cosby dizendo que drogou mulheres para fazer sexo com elas. Ou seja, um cara que é acusado de estupro desde 2004 só é realmente considerado "culpado" quando vaza um depoimento do próprio confessando.
Porque as vozes das 46 mulheres aparentemente não eram confiáveis o suficiente pra galera acreditar.

Assim como Cosby, existe um extensa lista de famosos estupradores e pedófilos, que curiosamente não tem seus casos divulgados ou sequer citados em suas biografias de Wikipédia.
Curiosamente, esses homens continuam sendo idolatrados, contratados e celebrados.

Não existe nenhuma estatística realmente boa sobre falsas alegações de estupro, mas uma das mais conhecidas (do FBI) estima que 8% das acusações de estupro são falsas.
Ainda assim, em toda e qualquer notícia de estupro que sai na mídia, é possível encontrar pessoas duvidando da veracidade das acusações, ou mesmo comentários de gente que acha que frente à uma acusação de estupro, o importante mesmo é questionar "o que essa mulher estava fazendo sozinha na rua", "vestida desse jeito, tava pedindo né" ou mesmo "mas porque ela entrou no carro dele então?".

Isso aponta para uma primeira falha moral da nossa sociedade quando o assunto é a violação do corpo feminino: criamos "desculpas" para justificar o injustificável.
Existe UM culpado num crime de estupro: o estuprador.
Mas quando repetimos discursos como estes acima, nós - enquanto sociedade- somos cúmplices. 
Talvez ajude sim se você não andar sozinha na rua, ou se não vestir tal roupa - mas quando você vê que a maioria dos estupros tem como algoz algum conhecido da vítima, a gente entende que essas medidas são frágeis e paliativas - e focar nelas como as melhores estratégias para combater o problema é no mínimo questionável.

O que realmente é necessário é CONSCIENTIZAR e EDUCAR.
 É parar de "passar pano" pra estuprador. Parar de achar que ignorar os primeiros 4 (ou 3, ou 1) "nãos" de uma mulher é aceitável. Parar de fazer esse tipo de comentário quando ouve uma notícia de estupro, parar de questionar a veracidade da acusação, parar de criar desculpas, para de aceitar que amigos seus tenham comportamentos desrespeitosos.

Outro ponto: o mito do estuprador-monstro-doente-mental.

Cara, acreditem, não temos tanto psicopatas assim não.
São 527 mil estupros por ano no Brasil - praticamente um estupro por minuto.
88,5% das vítimas são mulheres e 98,2% dos agressores são homens.
70% são conhecidos da vítima.

Eu seeeei, eu sei: aquele tio estranho, aquele amigo de infância, aquele cara popular da escola que ficou com várias amigas suas, aquele amigo de faculdade, como imaginar que algum deles poderia ser um estuprador ou um abusador?
Ele é tão gente fina! Tão bem-educado! Jamais faria isso!

Então... tá na hora de parar de por a mão no fogo por qualquer um.
Não estou dizendo que devemos ver TODOS os homens a nossa volta com desconfiança, ou que TODOS os homens são estupradores em potencial.
Só estou dizendo que a chance deles serem é maior que a chance de uma acusação de estupro ser falsa.
Então vamos pensar bem antes de sair defendendo um lado ou outro - na dúvida, é melhor fica quieto.
Só pra citar UM caso de todos os que EU mesma já passei (e olha que eu sempre tive carro e nunca tive que me expor tanto no espaço público - tenho certeza que mulheres que andam na rua/usam transporte público todos os dias tem muitos mais histórias que eu):
Há pouco mais de um mês, estava eu caminhando do metrô até a casa do meus pais (sim, em Alto de Pinheiros!), num dia de sol (sim, era dia!), depois de um rolê no centro (é, eu nem tava arrumada: estava de shorts larguinho, tênis e camisa xadrez).
Estou mexendo no celular, quando passa por mim um garoto e aperta minha bunda.
É, assim, no meio da rua, sem nada que pudesse tê-lo empurrado ou qualquer 'desculpinha' de busão lotado.
E não foi uma passada qualquer, foi forte, extremamente invasiva.
Eu saí correndo atrás dele xingando, fazendo um barraco e estapeando ele.
(Obs: até hoje me arrependo de não ter seguido ele até o metrô para chamar o segurança e levá-lo pra delegacia. E até hoje quando me lembro, sinto asco, nojo, me sinto invadida.)

Esse cara devia ter a minha idade (uns 26 a 28 anos), branco, e vestia camisa e calça social.
Ele poderia ser amigo ou conhecido de qualquer um de vocês.
Enquanto eu o perseguia, ele me chamava de louca, dizia que não tinha feito nada.

E aí está mais uma falha moral: nos recusamos a acreditar que o agressor desses 527 mil estupros pode estar ao nosso lado.

Se fosse de fato um amigo de vocês, eu o tivesse levado pra delegacia e ele estivesse passando por uma acusação de assédio sexual (porque sim, aquilo foi assédio sexual), vocês provavelmente achariam que quem acusa é sim uma louca, e que ele "jamais faria aquilo".
E vocês achariam que "aquilo" não foi assédio.

Então só pra finalizar essa reflexão...

Meninas: Não vamos mais aceitar que nosso corpo é público, que é normal levar uma passada de mão no metrô ou na balada. Não é! Vamos parar de acreditar que a culpa de algum assédio foi nossa, pq estávamos em tal lugar, com tal roupa, pq "demos bola". Vamos parar de descreditar e culpabilizar outras mulheres quando elas dizem que sofreram assédio. Esse discurso só prejudica a nós mesmas. 

Meninos: Chega de passar pano pra amigo abusador. Chega de achar que pq ela deu bola/pq foi pra sua casa/pq vcs já transaram antes, vc tem "direito" a alguma coisa. Chega de achar que "não" é um sim tímido. Segura sua língua na hora de comentar alguma história de assédio ou estupro: não é possível que a primeira coisa que vc tenha a dizer seja "será que é verdade?" ou "ela tava querendo". 

Dizem que só podemos solucionar um problema quando admitimos que ele existe.
Precisamos admitir que o assédio e o estupro existem. Admitir que o único culpado por ele é o agressor, e nunca a vítima. Admitir que o agressor pode estar "entre nós. E admitir que nós, enquanto sociedade, temos uma responsabilidade para com este problema.

Vamos melhorar gente.... Amanhã pode ser você, ou sua irmã, sua namorada, sua mãe.
E mesmo que não seja nenhuma delas: todas as mulheres - em todas as festas e com todos os trajes - são seres humanos.
Respeitar não deveria ser tão difícil.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

"Eu não sou feminista" - Mas você sabe o que é??

Sempre vejo mulheres falarem que não se consideram feministas.
Tem gente que até corre da palavra como se ela fosse "suja".

Eu diria que 90% das razões que ouço para tal são devidas à falta de conhecimento do real significado da palavra.
Por exemplo, moças que não se consideram feministas porque:
"eu não odeio homens"
"eu acho que mulheres e homens são diferentes biológicamente sim"
"eu não acho legal mulheres quererem ser superiores a homens, somos iguais"
"eu gosto que meu namorado abra a porta pra mim"
"feminismo ou machismo: não gosto de nenhum extremo"
etc etc.

Nestes casos a solução seria simples: dar um google pra descobrir o que realmente é o feminismo antes de sair negando ou difamando o movimento - ou até perguntar pra uma amiga feminista (at your service, migas). Inclusive, seria UM PRAZER tirar todas as suas dúvidas a respeito.

Até pq em pleno século XXI com google nas mãos, ninguém quer pagar o mico de falar sair falando essas coisas acima e descobrir que está fazendo tanto sentido quanto "eu não gosto de praia porque detesto leões".

Mas as vezes eu ouço pessoas esclarecidas a respeito do que o movimento significa dizendo que não se consideram feministas pq não concordam com tudo que "as feministas" fazem.

Esse pra mim é o verdadeiro mind-fuck.

Sei lá, eu sempre penso em possíveis paralelos, como esse:

Você se considera cristão?
Se sim: mas você concorda com tudo que os cristãos fazem e falam?
Se não: mas ué, então pq vc continua se declarando cristão se tem vários cristãos bem famosos por aí que pregam ideias fundamentalistas, retrógradas, preconceituosas, ou que até praticam extorsão com fiéis?
Aí vc provavelmente vai me responder: mas ser cristão não é ISSO. Ser cristão é outra coisa, esses cristãos não me representam.

Ou até: você se considera brasileiro?
Se sim: mas você concorda com tudo que os brasileiros fazem???
Ao que você vai dizer "pfff, claro que não, mas ser brasileiro significa que eu nasci no Brasil, simplesmente".
Porque você sabe que ter nascido do Brasil e se dizer Australiano simplesmente não faria sentido, por mais que você goste mais da Austrália.

Gente, em todo e qualquer grupo/comunidade (feministas, cristãos, brasileiros, esquerdistas, judeus, negros, gays, médicos, jovens, etc), vão existir diversas divergências de pensamentos e práticas dentro de cada grupo.

Então ó:

Feminismo: Ideologia que defende a igualdade, em todos os aspectos (social, político, econômico), entre homens e mulheres.

Em suma é isso aí.
Tem mil formas de aplicar esse discurso? Sim.
Tem várias maneiras de se lutar contra essa desigualdade? Sim.
Existem pessoas que vão lutar por isso de uma forma diferente da que você acha certo? Sim.
Isso quer dizer que o feminismo deixa de ser isso aí? Não.

Então antes de cooperar com a desinformação que sempre rondou o feminismo e permitir que essa coisa linda descrita acima (que inclusive foi responsável por diversos direitos que você desfruta hoje) continue sendo pintada como se fosse bruxaria, que tal simplesmente dizer:
"sou feminista, mas não sou militante"
"acredito no feminismo, mas tenho algumas ressalvas em relação à algumas ações do movimento"
"sou feminista, mas não consigo aplicá-lo na minha vida 100% do tempo"
ou até mesmo
"sou feminista sim, como assim você não é?? Você já leu a definição???"

Vamos espalhar informação ao invés de desinformação, e parar de ter medo de uma palavra tão bonita?
Vamos?
Então vamos!! <3

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Teoria da conspiração - Inventar para convencer?

Eu geralmente dou muita risada de teorias da conspiração, até porque no nível que chegou nosso jornalismo e nossa política, geralmente a coisa não passa de piada mesmo.

Mas, eu tava aqui pensando com os meus botões e pensei numa teoria da conspiração mucho loca e muito sombria que quero compartilhar.

Eu - e acho que não estou sozinha nessa - sempre fico muito intrigada quando vejo alguns políticos/jornalistas/pastores falando sobre assuntos que a esquerda defende...
Simplesmente porque, por fazer parte dessa esquerda-gayzista-feminista-abortista-cotista-bolsita, eu não conheço ninguém que defenda algumas coisas que eles dizem que nós, esquerdistas, queremos.

Então dá um mind-fuck danado, porque eles falam sobre coisas como:
-as feministas odeiam os homens e querem exterminá-los
-queremos que o aborto substitua a educação reprodutiva e os anticoncepcionais
-a ideologia de gênero quer proibir que professores se refiram a crianças como menino ou menina
-os gays querem que a Igreja seja obrigada a realizar o sacramento do matrimônio para eles
-os negros querem viver de cotas pra sempre pra se vingar dos brancos
-todos os beneficiários do Bolsa Família são todos safados que dão golpes pra ficar tomando sol e bebendo cerveja às custas dos nossos impostos
-o Jean Willys quer passar uma lei pra mudar um trecho da Bíblia
-a ideologia de gênero é representada por aquele médico louco que trocou o gênero dos bebês gêmeos
-casais gays são pedófilos e não podem adotar crianças senão abusarão delas

Enfim, tem um sem-número de lendas desse tipo, que os pastores esbravejam em seus vídeos enérgicos, que os políticos conservadores postam loucamente em suas redes sociais, e que muitos sites e blogs postam como se fossem essas as intenções da esquerda, que sempre me deixaram meio achando que eles deviam ser realmente muito burros, criativos ou incapazes de interpretar textos.

DA ONDE eles tiraram essas coisas, gente? 
Onde a nossa comunicação falhou que eles possam ter entendido isso..?

MAS, num momento eureka, me ocorreu: será que eles fazem de propósito?
Será que ao invés de muito burros eles são... muito espertos? 

Porque é tanta mentira, é tanta distorção, é tanta informação nada a ver...
Que talvez isso seja uma estratégia deles para convencer as pessoas leigas a "comprar a briga" deles!

Por exemplo... 

Talvez fosse dificil convencer a sociedade que um movimento que busca igualdade entre os gêneros é algo ruim.. Tipo, "oi homens, olha só, nós mulheres só queremos os mesmos direitos que vocês, e ser tratadas com o mesmo nível de respeito! Nóis?" 
MAS, se você espalha que as feministas são todas lésbicas satânicas que odeiam homens e estão conspirando para escravizá-los, ou um bando de loucas promíscuas desocupadas que querem mostrar os peitos e um monte de benefícios; você cria uma barreira em torna do feminismo que só com muita informação de fontes decentes a pessoa vai perder a aversão.

Talvez se o povo soubesse que a discussão de gênero só quer promover uma maior liberdade de expressão para as pessoas combater o bullying, e evitar de colocar pessoas em caixinhas de comportamentos pré-definidos, talvez essa conversa já estivesse rolando há muito tempo. 
Mas se você espalha por aí que a Ideologia de Gênero quer "acabar" com a heterossexualidade, proibir meninas de vestirem rosa, cortar o pinto de bebês, incentiver a transexualidade, promover a pedofilia... As pessoas não vão nem querer ler mais a respeito, e vão refutar qualquer menção à essa Ideologia - sem nem saber que ela não tem nada a ver com isso.

Talvez se os religiosos entendessem que os gays só querem os mesmos direitos CIVIS que os héteros já tem, e só querem que a sociedade não lhes trate como animais de zoológico, talvez a homofobia fosse um problema muito menor. 
Mas quando você divulga que gays querem poder casar na Igreja, proibir o casamento hétero, abusar de criancinhas, você impede a discussão de sequer começar.

Ou seja,,,, Será que eles distorcem tudo DE PROPÓSITO?
Será que estão realmente mau-intencionados, e querem convencer as pessoas de um monte de mentiras, para que elas odeiem coisas e pessoas antes mesmo de saber o que são?

Será que esse povo teve aulas com Hitler, de como desumanizar uma parcela da população de tal forma que o povo deixa de vê-los como pessoas, pais, mães, irmãos, filhos - a ponto de termos hoje hordas de comentaristas de portal prontos para digitar "esse merece morrer mesmo"?

E a questão: se esse tipo de oratória falaciosa e enganosa só pode ser combatida pela informação... e nossos maiores veículos jornalísticos e nossa mídia está toda de rabo preso de forma que não tem interesse em esclarecer e mostras as coisas como realmente são.... 
E aí, COMOFAZ?

eu, hein...


E aí, homem, cantada é bacana?

Proponho uma reflexão pra vc homem que acha que cantada não é assédio, ou que se não for de baixo calão tá tudo bem:

Imagine que você está sozinho na rua, e aparece um cara de 1,95, grandão, evidentemente bem mais forte que você.
Aí ele te passa uma cantada (pode ser as que vc considera inofensivas como "oi gato, vem cá", ou "nossa, que lindo, me dá um sorriso vai").

O que você sentiria? Uma raivinha não? Wtf, quem é aquele cara pra te abordar??

Agora imagina que você saiba que a cada 12 segundos um homem é estuprado por outro homem.
E aquele cara é bem mais forte que você, se ele quisesse ele bem que conseguiria....

Além de raivinha, tb daria um medo, não? Afinal, ele pode ser só um cara sussa tentando te "elogiar". Mas pode ser que não. Vc não sabe.

E aí?? Como vc se sentiria???

E se vc dissesse que te incomodou e os outros tentassem dizer que "tem homem que gosta"?
E se vc soubesse por pesquisas que quem gosta é só 20% dos outros homens - ou seja, a maioria NÃO gosta.

E mesmo assim tentassem te convencer que o fato de vc se sentir derespeitado, acuado, ameaçado "faz parte", e vc tem que parar de mimimi?

E aí????

O monstro verde da discussão de gênero.

Não pode falar que gênero deve ser discutido nas escolas e o povo já fica agitado, um monte de gente falando horrores dessa tal "ideologia de gênero":
que ~incentiva~ a criança a ser homossexual, que defende a pedofilia, que usa o exemplo do médico doidão que quis trocar o gênero da criança, que defende que mulheres ~não podem~ ter características consideradas socialmente como femininas e homens não podem ter as masculinas, etc etc

Real question: Na vida real, quantas pessoas vcs conhecem que defendem essas coisas aí em cima?
Quantos projetos de lei vocês conhecem que querem impor essas coisas?

Porque olha só, eu sou uma pessoa que defende a discussão de gênero nas escolas!
Não sou defensora cega do rolê, me informei bastante sobre todas as nuances da discussão e cheguei a conclusão que um mínimo de informação a respeito seria muito saudável para a educação.
E sendo parte do grupo de pessoas que defende essa discussão, deixa eu contar pra vocês quais são nossas verdadeiras intenções...

Nós apenas queremos uma criação mais igualitária na qual você não vai obrigar a criança a vestir determinada cor ou brincar com determinado brinquedo, você vai deixar ela escolher a cor que gosta e brincar com o brinquedo que gosta.
Não quer dizer que você não pode dar roupinha azul pro menino, você pode! Mas quer dizer que se ele quiser uma roupinha rosa, também tudo bem! Afinal, pra quê fazer uma criança se sentir mal com uma besteira dessas?
Uma criação que vai deixar a criança descobrir seus talentos e gostos - sem enfiar na cabeça dela que tal coisa é de menino e tal coisa é de menina.
Quer dizer que não pode colocar a menina no ballet?? Pode sim! Mas quer dizer que se ela não gostar do ballet e quiser fazer futebol, você não vai censurá-la. Afinal, pra quê afastar a criança de algo que ela gosta e que pode vir a ser um grande talento?

E sabe porque a gente acha isso importante?
Porque acreditamos que essa educação mais livre de "papéis" e caixinhas vai ter resultados muito benéficos para a criança em questão e para todas as outras ao seu redor!

Por exemplo: as crianças vão aprender a respeitar as decisões individuais de cada um.
Ao invés de ficar zuando o coleguinha de 4 anos pq ele gosta de lilás, as crianças vão achar normal e não terão preconceito com ele.
Ao invés de excluir a menina que gosta de brincar de carrinho, não vão achar nada demais.
Quer dizer que os professores ao invés de dar bronca no menino que viu uma boneca e quis brincar com ela, vão deixar ele brincar com o que quiser.

Quer dizer que ninguém vai ficar dizendo pro seu filho de 4 anos que brincar de tal coisa torna ele "viado" (olha aí: quem quer ficar falando de sexualidade com criancinha NÃO É a gente! Pasmem.).
Que ninguém vai ficar dizendo pra sua filha de 6 anos que se ela gostar de cabelo curto e carrinho, ela é menino (olha aí de novo: quem quer ficar falando que uma criança não é do gênero "certo" NÃO É a gente!).

Ou seja, a gente quer que todos tenham liberdade para ter cabelo curto ou comprido, brincar de barbie ou de carrinho, gostar de azul ou de rosa, e quer que a criança saiba que nada disso vai determinar se ele(a) é ou deixa de ser menino ou menina. Por que nada disso faz diferença.
A gente quer que nenhum menino sofra bullying por que gosta de brincar de casinha.
Que nenhuma menina seja excluída dos amiguinhos porque adora o batman.

Que na adolescência, se o menino tiver mais afinidade com um grupo de meninas, ele não seja taxado de gay, porque os coleguinhas aprenderam desde criança que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Que se a menina não curtir usar maquiagem, não seja taxada de sapatão, porque os coleguinhas sabem que aparência não tem a ver com sexualidade.
 E que no colegial, quem de fato se descobrir gay ou lésbica seja -olha só que absurdo - RESPEITADO.

Pois da mesma forma que a Orientação Sexual para adolescentes é importante, para que eles saibam que sexo existe - mas não deve incentivar (nem proibir) o adolescente de praticá-lo; o mesmo raciocínio serve para a homossexualidade. Ela existe: não deve ser incentivada nem proibida, apenas reconhecida e respeitada.

Sério que parece tão ruim assim?

Claro que a forma com que isso será feito deve ser discutida - com maturidade -, claro que cada cartilha deve ser revisada para não passar mais informação do que é necessário para cada idade, claro que podemos entrar num consenso em relação a vários assuntos!

Mas sério, vamos nos informar antes de sair bradando contra ou a favor das coisas?

Dica: se você só se informa sobre abacaxi em sites que são contra abacaxi, é muito provável que você tenha uma visão bem distorcida do que é - de fato - um abacaxi.
Dica 2: o estado é laico e nenhuma religião deveria interferir em políticas públicas - justamente pq políticas públicas atingem a todos, e nem todos seguem a mesma religião.

"Mas agora TUDO é machismo?" - Sim, é.

"Aff que mundo chato!
Não posso mais nem obrigar minha esposa a transar, a fazer o jantar, bater nela se ela me desafiar ou proibi-la de votar e trabalhar fora que já dizem que é machismo!
Nem posso mais comprar um negro como escravo, nem falar que ele é de uma raça inferior, chamar de macaco, falar que é cor de bandido, e imagina, nem posso abusar e tratar uma negra como objeto que já me acusam de racismo!
Ainda por cima não posso mais espancar gay na rua pra ver se aprende a ser homem ou estuprar lésbica pra ver se aprende a gostar de pica, e nem posso me recusar a contratar uma pessoa dessas, nem posso impedir gays de darem as mãos na rua, que acham que eu sou preconceituoso e homofóbico!
Quanto vitimismo, tudo é machismo/racismo/homofobia agora???"

Migos, é assim que vocês soam quando ficam de "mimimi tudo é (preencha com alguma opressão)"
Parece uma coisa mimadinha assim ó:
"Naaaão, eu não quero te respeitar! Não!! Eu não quero repensar minhas atitudes porque eu sou perfeito e nunca erro! O que eu acho que ofende os outros é mais importante do que os outros me dizem que é ofensivo! Aaaai que chato, saaaai! Se eu não sou afetado é porque não é importante! Não vou respeitar e ponto final."

SIM, muita coisa que eu, vocês e toda a nossa sociedade faz com naturalidade É SIM opressivo e preconceituoso, e não será mais tolerado!
Sabe porque? Porque antigamente mulheres, homossexuais e negros não tinham voz ativa ou direito de reclamar e não podiam nem se dar ao luxo sequer de questionar se aquilo estava errado ou não.
Não é que antigamente tava tudo bem, mas antigamente as vozes que lutavam por esses direitos ainda era abafadas, mortas, presas, queimadas na fogueira, consideradas subversivas e imorais - então ninguém achava que tinha que ouvir.

Mas agora ninguém mais cala essas vozes, e ainda tem muito a ser feito para atingirmos a igualdade, então aceita que dói menos, pq como bem disse uma dyva feminista, eu não volto pra cozinha, nem o gay pro armário, nem o negro pra senzala.
Você ganha mais se colocar a mão na consciência, começar a ouvir e mudar alguns hábitos, pq ó, posso te garantir que daqui pra frente só "piora".

Vlw, flw.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Sobre mendigos e suas ex-mulheres

Já há algum tempo eu venho traçando um paralelo que me incomoda.

Seguindo páginas no estilo SP Invisível ou páginas que postam relatos de moradores de rua, percebi um certo padrão:a maioria dos moradores de rua eram homens, e a maioria dizia ter família (ex-mulher e filhos) ainda que não pareciam estar com ela.
Muitos relatavam brigas e desavenças com suas companheiras, que os fizeram sair de casa - claro que para a maioria dos homens que relatam essas desavenças, a "culpa" é da mulher (e claro que a mídia não tardou em classificar moradores de rua como desiludidos amorosos, e até os criadores da SP Invisível relataram que muitos desses homens estão lá "por causa de mulher"), mas não vamos nem entrar nesse mérito rsrs

Como boa feminista, ficava pensando em onde estavam então essas inúmeras mulheres sozinhas com os filhos, únicas responsáveis pelo sustento da família.

Bem, resolvi ir atrás de alguns dados para não ficar no achismo.
Encontrei dados mais confiáveis relativos ao centro de São Paulo, e também relativos ao Brasil.

Unindo as duas pesquisas, alguns dados que encontramos:
- 82% são homens, em SP média de idade de 40 anos, no Brasil mais da metade tem entre 25 e 44 anos.
- A maioria relatou já ter tido uma companheira/esposa, e ter filhos - que não estão com eles nas ruas.
- Os maiores motivos de terem ido para as ruas estava relacionado à: alcoolismo (35,5%), desemprego (29,8%)  e desavenças com familiares (29,1%).

Podemos unir à estes dados alguns outros - que não estão diretamente relacionados, mas podem traçar alguns paralelos.
-5,5 milhões de crianças no Brasil não tem o nome do pai no registro - ou seja, o pai sumiu e a mão cuida da criança sozinha, sem ajuda nem pensão.
-A PNAD aponta que 37,4% das famílias brasileiras tem a mulher como pessoa de referência (o que quer dizer que ela é responsável pela maior ou única renda da família).

***

Não acho que seria correto juntar estes dados para chegar a conclusões - os dados não necessariamente estão relacionados, e poderíamos chegar à conclusões falaciosas.

Mas acho interessante fazer algumas reflexões:

Sabendo que os conceitos disseminados por uma sociedade machista afetam de forma mais grave as mulheres, mas também afetam negativamente os homens, será que o fato da maioria dos moradores de rua serem homens não está diretamente ligado ao machismo?

Será que o machismo não carrega as mulheres de um senso maior de responsabilidade para com a família, de forma que elas não vêem como opção abandoná-la e ir para a rua - enquanto os homens evidentemente não só enxergam esta opção como com alguma frequência a abraçam?

Será que é razoável ser contra o aborto dizendo que se a mulher não quer o filho, pode deixar com o pai? Ou que pelo menos receberá pensão para ajudar a criar o filho "indesejado"?
Será que realmente não estamos fazendo vista grossa para o "aborto masculino", enquanto condenamos o feminino?
Que opções tem um homem que não quer/não pode sustentar um filho, e que opções tem a mulher na nossa sociedade?
Ao negar o direito ao aborto, não estamos transformando uma responsabilidade que seria dos dois (homem e mulher, espermatozóide e óvulo) em uma responsabilidade quase que certamente da mulher?

Não seria curioso o fato que numa sociedade em que as mulheres ainda ganham salários menores que os homens (os salários femininos ainda são 30% menores que os masculinos), e em que as mulheres em geral só conquistaram o direito ao mercado de trabalho à apenas uma ou duas gerações, elas já são quase 40% das pessoas de referência nas famílias?
Essa conta fecharia se todas as famílias tivessem pai presente (tanto na criação quanto financeiramente)? Ou será que essa conta só fecha porque em muitas famílias a mãe é a ÚNICA fonte de renda?

Quando vemos a quantidade de dinheiro público gasto (e que fique claro aqui que não sou contra esse gasto não rs) em abrigos e ações para moradores de rua, não seria relevante considerar que indiretamente o Estado está ajudando os homens em seu sustento pessoal - enquanto as mulheres abandonadas por eles não são ajudadas no seu sustento e no sustento de seus filhos?
Será que o fato de 93% dos titulares do Bolsa Família serem mulheres não é exatamente esta compensação?
Pensando nestas mulheres em situação de pobreza e abandono, não é no mínimo mesquinho maldizer o Bolsa Família?

E abordando uma questão que eu considero bem tosca, mas vamos lá: já ouvi de muitos homens que machismo não existe porque os homens passam por tantas dificuldades quanto as mulheres - e um dos exemplos que sempre dão é este: de que a maioria dos mendigos são homens. Nunca lhes passou pela cabeça que talvez estes homens - que estão sem dúvida em condições lastimáveis e devem ser ajudados - podem ainda assim estar levando a vida de forma mais "fácil" ou com menos responsabilidades do que as mães destes 5,5 milhões de crianças que não tem pai?

E quantitativamente: se existem 1,8 milhões de moradores de rua no Brasil dos quais 82% são homens, existem pouco menos de 1 milhão e meio de homens em situação de rua no país.
Ou seja: 1,5 milhões de homens em situação de rua versus 5,5 milhões de homens que abandonaram suas mulheres grávidas.
Os dois problemas são horríveis e relevantes? Sem dúvida! Mas qual é o maior?
Que gênero está realmente saindo mais prejudicado nessas situações de extrema pobreza?
Você realmente quer usar este argumento para dizer que homens são impostos ao mesmo nível de provações que as mulheres pela nossa sociedade?

***

Enfim, esse texto não tem nenhuma conclusão específica, e nem tem a intenção de diminuir o sofrimento dos moradores de rua - vítimas de um sistema de extrema desigualdade.

É apenas uma reflexão acerca da invisibilidade: se temos matérias e páginas do facebook voltado à tirar da invisibilidade os moradores de rua, quem senão as feministas estão preocupadas em tirar da invisibilidade as mulheres-mães abandonadas?
Quem está olhando por essas mulheres?
O feminismo realmente é "desnecessário"?


Fontes:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/arquivos/mulher/PessoasEmSituacaoDeRua.pdf)
http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/29/ult23u2075.jhtm
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasil-tem-5-5-milhoes-de-criancas-sem-pai-no-registro
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv91983.pdf
http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2015/03/salario-das-mulheres-ainda-e-30-menor-que-o-dos-homens.html
http://moradoresderua.org.br/portal/estimativa-de-moradores-de-rua-no-brasil/
http://blog.planalto.gov.br/maioria-dos-beneficiarios-do-bolsa-familia-e-composta-por-mulheres-e-negros-afirma-tereza-campello/